Uma grande incognita


É para mim quase impossivel expressar em palavras o que se passa em meu coração.
Porque tudo isso esta acontecendo?!
Não seria mais justo, mais rápido, ir de uma vez?
Uma vez que o que machuca, não é perder... é perda-lá em doses homeopaticas, mas cada vez mais impactantes.
Dói muito vê-la perde a consciência, a razão e a noção, de tempo, de espaço, de tudo.
Ver uma criança aprender das coisas e da vida é lindo, mas vê-la perder tudo que aprendeu e conheceu é doloroso.
O que é mais importante? Ter um braço, uma perna, um pedaço de um órgão, os sentidos intactos ou saber quem é você?! Sem um dúvida, afirmo que é o que mais importa é saber quem é você.
Doenças graves existem aos montes, mas se vc sabe que é você, e não tem uma perna, você ainda anda. Se você sabe quem é você, mas não enxerga, ainda vê com os outros sentidos. Agora, se vc tem tudo, mas não sabe quem é você e onde está, do que servem os braços, as pernas, os olhos, o corpo?!
Ela ainda lembra dela, de mim, dos filhos, dos irmãos. Mas aos poucos esquece de todos os outros, e um dia tb esquecerá de nós, até que se perca dentro de si e esqueça quem é.
Isso machuca, e muito.
Se hoje eu choro, é pq eu estou a perdendo, estou percebendo que ela esta partindo aos poucos, e que cada dia tenho um pouquinho menos dela.
Construir a imagem de uma pessoa, aprender de seus habitos e convicções é interessante, é grandioso. Mas a descontrução não.
Ficar perto dela, cuidar, gera um misto de sensações. É bom saber que posso, ainda que nas pequenas coisas, ajuda-la - por sinal, nunca me dediquei tanto a outros, talvez nem a mim mesma, como tento me dedicar a ela nas pequenas coisas, nem que seja pegar um copo de leite - retribuindo inconscientemente o que ela fazia por mim quando ela era avó e eu pequena, bebê, a neta. Mas enquanto abro a geladeira para pegar o leite, me dá saudades: saudades de quem ela era antes, e de quem ela não será mais. Junto a tudo isso, a tristeza de perde-la ainda mais, misturada pela felicidade de saber que ela ainda sabe quem eu sou.
Certas horas agradeço por ja ter idade e maturidade o suficiente para compreender e ajudar, coisa que na doença de meu avô, por mim pouca idade, não era capaz de entender a quesões em sua plenitude. Outra horas, porém, eu queria não compreender, queria nada disso acontecesse, queria ter os olhos dos meu pequenos, que só observam, mas nada absorvem.
Queria a orginal de volta. Queria que ela pudesse sentar e debater sobre o maluf, sobre a ditadura, sobre qualquer coisa, como faziamos, e apesar das opiniões opostas, era tão bom. Queria que ela me desse bronca pq mexi nas fotos, nos armarios. Queria montar quebra-cabeças. Queria que ela costurasse mais um vestido de barbie. Eu queria ela, perfeita de volta. Queria que ela acordasse as 7 e fosse diariamente a missa. Que fizesse o café da manhã antes de ir pra missa. Queria que nos dias em que fossemos sair, ela fosse para o carro, empolgada, com suas balinhas de chocolate da pan, sem pensar duas vezes. Ah como eu queria vê-la com seus muitos vestidos de varias estampas, mas sempre de flores.
Queria que ela ainda comesse aquela bolacha da lata vermelha, e que eu tivesse que ir com meu jeitinho pedir para comer uma, e que nessa hora ela fizesse aquela cara de deliberação rapida e deixasse eu comer apenas uma.
Não sinto culpa de nada, pq sei que aproveitei demais a estadia com ela. Nos ultimos vinte anos, estive com ela em quase todos os 7300 dias que poderia estar.
Eu a amo demais de qualquer jeito, mas admiro muito mais agora.

Eu queria mesmo e voltar no tempo, tê-la de volta, ter meu avô de volta, ter a tia maria volta... queria voltar da escola, as 17:30h, com meu uniforme marrom, entrar na casa dela, ir para sala assistir desenhos na tv cultura.
Queria ouvir meu avô perguntando: E vosso pai?
Queria ir rezar o terço, escutar ele falando em latim "ora pro nobis"...

Como diria Casimiro de Abreu
"Oh ! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!"
Se um dia eu pudesse, nem que fosse por um dia, uma tarde, uma hora, ao menos quinze minutos, reviver essa época, te-los de volta, eu atingiria o máximo da alegria que eu pessoa poderia ter.

Eu sei que todos aqueles clichês que fazem parte da vida são bonitinhos de se ler em dias felizes, a la "a dor é inevitavel, o sofrimento é opcional". Oras, mas como numa situação dessa não sofrer? Vou ignorar o sofrimento? Mentir para mim mesma e pensar "estou feliz". Não estou feliz. Estou desmoronando por dentro. Tenho vontade de sair correndo, de fugir, de abstrair. Não dá!

Eu estou sofrente, mas eu vou aguentando firme. Por que não é fácil para mim, mas também não é facil para ela, nem para os outros.
Só me resta engolir as lágrimas, aproveitar o tempo desse relógio que corre rápido e anti-horário, e venha o que vier, estou pronta.

Música: Hallelujah (Leonard Cohen)
"Talvez eu estivesse aqui antes
Eu conheço este quarto, eu andei neste chão,
Eu costumava viver sozinho antes de conhecer você.
Eu vi sua bandeira no arco de mármore
O amor não é uma marcha da vitória
É um aleluia frio e partido"



Um comentário:

lê.okasaki disse...

fê.. só posso te dizerq quero compartilhar toda a minha vida com vc.. nossas conquistas, nossas quedas, nossos filhos brincarão juntos!! te amo!!